O Morro do Careca, um dos cartões-postais mais emblemáticos de Natal e do Nordeste, enfrenta um processo de erosão alarmante. A duna, que é um ícone da paisagem potiguar, tem apresentado perdas significativas de areia em sua base, com falésias de até dois metros de altura, além da redução de sua elevação nas últimas décadas.
Um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) revelou que, entre 2006 e 2023, o topo do morro diminuiu 2,7 metros, passando de 66 metros para 63,3 metros. Essa perda de altura representa uma remoção de cerca de 318,5 m³ de material. O processo erosivo, identificado desde a década de 1990, tem sido atribuído a diversos fatores, incluindo o avanço do mar e a intensa ocupação da orla.
O acesso ao Morro do Careca, que era permitido até 1997, foi proibido devido ao risco de acidentes e intensificação da erosão. Mesmo com o cercamento da base, ainda há relatos de pessoas que desrespeitam a interdição. Um relatório do Serviço Geológico do Brasil (SGB), encomendado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2023, apontou um risco “muito alto” de deslizamentos devido à intensificação das erosões. O estudo recomendou a manutenção da restrição de acesso ao topo, exceto para técnicos e pesquisadores, e a ampliação da área isolada na base da duna.
Em setembro de 2024, a Defesa Civil emitiu um novo relatório indicando uma aceleração no processo erosivo, com formação de voçorocas que aumentam o risco de desabamento. Diante da gravidade da situação, a Prefeitura de Natal decretou situação de emergência e isolou a área frontal do morro. Em paralelo, iniciou a obra de engorda da praia de Ponta Negra, que visa mitigar o impacto das ondas na base da duna. A obra, iniciada na Via Costeira, a cerca de 4 km do morro, já ultrapassou 70% de execução e deve alcançar a base do Morro do Careca em meados de janeiro.
Rodrigo Freitas, professor do Departamento de Geografia da UFRN e coordenador do projeto Falésias, aponta três causas principais para a aceleração da erosão: a redução do aporte de sedimentos pelos rios devido à construção de grandes barragens nas décadas de 1950-70, a elevação do nível do mar em decorrência das mudanças climáticas, e a intensa ocupação da linha de orla com imóveis. Segundo o professor, a hidrodinâmica marinha na parte interna da baía, onde se localiza o morro, também contribui para a maior intensidade da erosão no local.
Freitas explica que o Morro do Careca é uma duna que se formou sobre rochas areníticas, que um dia foram falésias. Ele ressalta o risco de colapso da base do morro, com possível queda de blocos, o que representa um perigo para banhistas próximos. Apesar de a engorda da praia poder amenizar a erosão causada pelo impacto das ondas, o professor alerta que é necessário garantir também o reabastecimento de areia.
O morro é mantido pela areia que o mar deposita na praia de Alagamar, levada pelo vento até a duna, um processo que tem diminuído nos últimos anos. O professor defende a necessidade de investimentos em pesquisas e levantamentos anuais para monitorar o balanço de sedimentos e buscar soluções eficazes para a conservação do patrimônio.
O secretário de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal, Thiago Mesquita, confirmou que um relatório da Defesa Civil constatou o surgimento de “cavernas” e a exposição das raízes da vegetação na duna. Segundo o relatório, o aumento da precipitação entre janeiro e julho de 2024, comparado com o mesmo período do ano anterior, também contribuiu para a erosão, mas Mesquita considera que a maré e os ventos são os principais fatores de erosão. Ele acredita que a engorda, juntamente com outras obras na orla, dará estabilidade à região, embora reconheça que é difícil recuperar a duna em sua forma original.
Para ele, “o problema não é o desaparecimento do Morro do Careca, o problema é a mudança na forma” e que “se essa forma evolui, modifica, você perde essa associação visual de identidade do morro”
A situação do Morro do Careca segue sendo acompanhada de perto pelas autoridades, que buscam alternativas para mitigar a erosão e garantir a segurança da região.