A beleza natural da praia do Segredo, localizada em Natal, Rio Grande do Norte, está sendo ameaçada por um problema alarmante: a grande quantidade de embalagens de produtos fabricados na Ásia que têm se acumulado em suas areias. A praia, conhecida por sua paisagem selvagem e pouco frequentada, tornou-se um verdadeiro “cemitério” de resíduos estrangeiros, levantando questões sobre a poluição marinha e o descarte inadequado de lixo.
Em uma breve caminhada pela orla, a equipe da BBC News Brasil encontrou dezenas de embalagens provenientes de países como China, Indonésia, Cingapura, Emirados Árabes Unidos, Malásia e Coreia do Sul. Garrafas de bebidas não alcoólicas, produtos de limpeza e recipientes de óleo de motor foram os itens mais comuns encontrados. A maioria das embalagens era de plástico, mas também foram achados recipientes de lata, como um removedor de tinta.
Surpreendentemente, muitos desses itens estavam em bom estado de conservação, o que sugere um descarte recente. Embora também tenham sido encontrados produtos de outras origens, como Brasil, Estados Unidos e África, as embalagens asiáticas predominavam entre as que estavam em melhor condição e permitiam a identificação clara de sua procedência.
O Mistério do Lixo Estrangeiro
Um estudo realizado pela empresa de celulose Verocel em julho de 2024 já havia detectado uma grande quantidade de lixo estrangeiro em praias da Bahia, com predomínio de garrafas plásticas provenientes da Ásia. A questão que se impõe é: como esses produtos, fabricados do outro lado do mundo, chegam às praias brasileiras?
Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em poluição marinha, aponta o descarte de lixo por navios como a hipótese mais provável. O transporte marítimo é responsável por cerca de 90% do comércio global, com a Ásia abrigando a maior parte dos portos mais movimentados do planeta. O intenso tráfego de navios entre o Brasil e a Ásia, transportando tanto produtos industrializados quanto matérias-primas, cria um cenário propício para o descarte ilegal de resíduos.
Segundo Turra, o lixo é frequentemente descartado perto dos portos e chega às praias levado pelas correntes marítimas. Esse problema não se restringe a Natal, afetando grande parte do litoral brasileiro, mas é mais visível em praias remotas ou pouco limpas. Municípios portuários, como Natal, são especialmente vulneráveis.
Impactos Ambientais e na Saúde
A poluição por lixo marinho acarreta diversos problemas. Além de afetar o turismo, a presença de lixo ameaça a vida marinha, com animais se enredando ou ingerindo embalagens, o que pode levá-los à morte por asfixia ou falsa sensação de saciedade. O lixo também danifica motores e sistemas de refrigeração de embarcações. A degradação do plástico em microplástico representa ainda um risco à saúde humana, já que peixes contaminados podem ser consumidos por pessoas.
Soluções Propostas
Embora resoluções internacionais proíbam o descarte de lixo não orgânico no mar desde 1972, muitos navios ainda ignoram as regras. Isso acontece, em parte, porque muitas embarcações descartam todo tipo de lixo no mar para evitar o mau cheiro. Além disso, alguns navios jogam o lixo no mar para evitar os custos da coleta nos portos, que cobram taxas variáveis de acordo com a quantidade de material recolhido.
Alexander Turra propõe a adoção de uma taxa fixa para o descarte de lixo nos portos, independente da quantidade, além de fiscalizar e multar navios que não separem o lixo.
Responsabilidades e a Busca por Soluções
A Associação de Donos de Navios Asiáticos (ASA) afirmou considerar o descarte de lixo na costa brasileira “altamente deplorável”, ressaltando que seus membros operam conforme regulamentos internacionais. Contudo, a ASA também enfatizou que navios de outras regiões também podem se abastecer em portos asiáticos, não garantindo que o lixo encontrado seja de embarcações asiáticas.
No Brasil, diversos órgãos governamentais compartilham a responsabilidade de combater a poluição marinha. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) define as diretrizes sobre as taxas portuárias, enquanto o Ministério de Portos e Aeroportos regula o setor. O Ibama, responsável pela proteção ambiental em praias e zonas costeiras, alega que a limpeza rotineira das praias é uma responsabilidade municipal.
A Secretaria do Meio Ambiente de Natal e a Urbana, empresa responsável pela limpeza pública do município, não se pronunciaram sobre a frequência da limpeza da praia do Segredo e as medidas para combater o lixo estrangeiro. A Marinha informou que fiscaliza os mares e rios e pune infrações ambientais, com multas que podem chegar a R$ 50 milhões.
A Necessidade de Ação Coordenada
Para a professora de direito marítimo Ingrid Zanella, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Ibama e a Marinha devem coordenar o combate à poluição marinha, junto com órgãos municipais e estaduais. Ela enfatiza que a poluição marinha é uma prioridade para agências ambientais globais, mas que o Brasil ainda não demonstra a importância devida ao problema. Zanella reconhece que o combate ao descarte ilegal é complexo, devido à extensa costa brasileira e a dificuldade em rastrear os navios poluidores, mas que novas tecnologias precisam ser exploradas.