Uma nova pesquisa, publicada no Brazilian Journal of Science, desafia a tradicional versão da história sobre a chegada dos portugueses ao Brasil. Enquanto os livros de história marcam Porto Seguro, na Bahia, como o local do primeiro contato em 22 de abril de 1500, o estudo propõe que a frota de Pedro Álvares Cabral desembarcou, na verdade, no litoral do atual Rio Grande do Norte.
Os físicos Carlos Chesman (UFRN) e Cláudio Furtado (UFPB) conduziram a investigação, utilizando tecnologias modernas e conceitos da física para reavaliar a rota da esquadra portuguesa. A análise se baseou na releitura da carta de Pero Vaz de Caminha, combinando informações de profundidade marítima, ventos, correntes oceânicas e dados geográficos contemporâneos.
Segundo a pesquisa, a área entre as praias do Marco, em Pedra Grande, e de Zumbi, em Rio do Fogo, no RN, se alinha precisamente com os detalhes descritos por Caminha. Entre eles, a profundidade do mar em braças (convertida para metros), a visibilidade de um monte arredondado e elevado (identificado como o Monte da Serra Verde, próximo a João Câmara) e a distância da costa registrada na época.
Com o uso do software QGIS e expedições práticas a cerca de 30 quilômetros da costa potiguar, os cientistas verificaram a visibilidade das formações geográficas mencionadas. Simulações por GPS indicaram que os ventos e correntes do Atlântico Sul teriam naturalmente direcionado a frota para o litoral norte-rio-grandense, contrariando a rota mais ao sul, tradicionalmente aceita.
A nova análise fortalece a argumentação de estudiosos como Lenine Pinto, Luís da Câmara Cascudo, Rosanna Mazaro e Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto, que já defendiam a chegada ao RN com base em registros históricos e condições naturais. Mazaro, com sua experiência de navegadora, afirmou que “as condições de vento e mar praticamente impossibilitam uma chegada direta à Bahia sem antes tocar o RN”. Além disso, a UFRN, onde Carlos Chesman leciona, tem recebido investimentos importantes, como noticiado em Ministra da Ciência anuncia R$ 8 milhões para Instituto de Física da UFRN.
Manoel Neto, que inicialmente associou o monte descrito por Caminha ao Pico do Cabugi, reviu sua análise e apontou o Monte da Serra Verde como o local mais provável. O estudo atual ratifica essa correção, unindo evidências científicas robustas à interpretação histórica.
Embora o debate esteja em aberto, a abordagem de Chesman e Furtado representa um significativo avanço metodológico. Ao integrar tecnologia de ponta com documentos históricos, a pesquisa contribui para uma reavaliação crítica da narrativa nacional sobre o "descobrimento" do Brasil.
Os autores defendem que “a ciência pode aprimorar a forma como compreendemos o passado, contribuindo para uma visão mais fundamentada e precisa dos eventos históricos”. O estudo está disponível para consulta no Brazilian Journal of Science.
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