Flávio Dino propõe que Lei da Anistia não se aplique à ocultação de cadáver

Dino propõe que Lei da Anistia não vale para ocultação de cadáver

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, decidiu que a Lei da Anistia de 1979 não deve ser aplicada ao crime de ocultação de cadáver, especialmente em casos relacionados ao período da ditadura militar. Dino reconheceu a repercussão geral do tema, o que significa que a decisão do STF poderá ser aplicada em outros tribunais em casos similares.

A Lei da Anistia, promulgada em 1979, visava a extinguir a punibilidade de crimes políticos e outros delitos relacionados, cometidos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. No entanto, o ministro Dino argumenta que o crime de ocultação de cadáver, por ser um crime permanente, continua a se consumar enquanto o corpo não é encontrado e identificado. Assim, a anistia não abrangeria atos praticados após a vigência da lei.

A decisão de Dino surgiu em um processo que envolve uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra os ex-militares Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió, e o tenente-coronel Lício Augusto Ribeiro Maciel. Ambos são acusados de envolvimento em operações contra militantes de esquerda durante a Guerrilha do Araguaia, na década de 1970. A denúncia do MPF não foi aceita nas instâncias inferiores, o que levou o órgão a recorrer ao STF.

Segundo Flávio Dino, “o debate do presente recurso se limita a definir o alcance da Lei de Anistia em relação ao crime permanente de ocultação de cadáver. Destaco, de plano, não se tratar de proposta de revisão da decisão da ADPF 153, mas sim de fazer um distinguishing [distinção] em face de uma situação peculiar. No crime permanente, a ação se protrai [prolonga] no tempo. A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei da Anistia”. O ministro enfatiza que a manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver impede os familiares de exercerem o direito ao luto e configura a prática contínua do crime.

A questão da ocultação de cadáveres ganha um novo patamar de debate no judiciário. Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já havia condenado o Brasil pelo desaparecimento forçado de 70 pessoas ligadas à guerrilha, determinando que o país investigasse, processasse e punisse os responsáveis, além de localizar os restos mortais dos desaparecidos. O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, também revelou que o Major Curió coordenou um centro clandestino de tortura durante o período da ditadura.

Na fundamentação de sua decisão, Flávio Dino citou o filme “Ainda Estou Aqui”, que retrata a história do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva. Segundo o ministro, “a história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos seus direitos quanto aos familiares desaparecidos. Nunca puderam velá-los e sepultá-los, apesar de buscas obstinadas como a de Zuzu Angel à procura do seu filho”.

A decisão de Dino reconhece a existência de repercussão geral na questão, com o objetivo de formar jurisprudência no STF sobre a aplicação da Lei da Anistia a crimes que continuam a se consumar, como a ocultação de cadáver. A repercussão geral, como ocorreu em outros casos julgados pelo STF, será agora avaliada pelos demais ministros em sessão virtual do Plenário. A decisão do ministro tem relação com a aplicação da lei em casos semelhantes aos de crimes ocorridos durante a ditadura, como relatado pela STF em outras ocasiões.

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